Jeffrey Dahmer: a história por trás do true crime

Jeffrey Dahmer: a história por trás do true crime

Há 4 décadas surgia um dos maiores e mais brutais serial killers de todos os tempos. O que acontece quando o crime migra para o entretenimento?

Por Stéphany Nunes, Sara Rodrigues e Denise Alencar

Atenção, o conteúdo desta reportagem pode conter relatos fortes e angustiantes, que podem causar gatilhos em determinadas pessoas.

Ninguém sabia o que estava acontecendo há mais de uma década”, afirmou Jeffrey Dahmer em entrevista a Nancy Glass, do Inside Edition, em 1993.

O true crime tornou-se um dos gêneros mais consumidos da atualidade, tem como premissa explorar crimes e investigações verídicas transformando em produções audiovisuais, podcasts ou livros. O estilo não-ficção se prolifera através das plataformas de streaming, ainda que seja relacionado a conteúdos extremamente violentos. Existe um fascínio, por parte do ser humano, em entender o que, de fato, leva algumas pessoas a cometerem crimes.

No dia 21 de setembro de 2022, a Netflix lançou “Dahmer: Um Canibal Americano”, a série não-ficcional registrou mais de 196 milhões de horas assistidas apenas na semana de sua estreia. Com isso, tornou-se o título com maior número de visualizações do ano, posto anteriormente pertencente a “Stranger Things”.

O enredo conta a história de Jeffrey Dahmer (interpretado por Evan Peters), um notório serial killer que fez verdadeiras atrocidades entre 1978 e 1991, nos Estados Unidos. A trama não se apoia no gore, no choque gráfico, mas sim no suspense de simplesmente saber o que acontece a seguir sem que isso seja, necessariamente, mostrado. Para alguns espectadores, imaginar pode ser ainda pior do que assistir. 

Os dez episódios pelos quais são conduzidos a narrativa, se dividem entre as diversas fases da vida de Dahmer, desde sua infância até o momento de sua morte no ano de 1994.  Os saltos temporais não são lineares, embora sejam minuciosamente orquestrados para não faltar entendimento. Além de Dahmer, a perspectiva de algumas vítimas, de sua família, de sua vizinha e problemas sistêmicos também surgem em tela. 

A curiosidade do público, em especial, por ser uma série baseada em fatos e com construções fidedignas, garantiu mais um programa baseado na trajetória de Dahmer. Em 7 de outubro, a Netflix lançou também “Conversas com um assassino: as fitas de Jeffrey Dahmer”, a última parte de uma franquia de documentários que, no passado, contou com Ted Bundy e  John Wayne Gacy.

Como surgiu o Monstro de Milwaukee 

Jeffrey Dahmer na juventude/ Créditos: Domínio público 

Afinal, o que há por trás de Jeffrey Dahmer? Como ele se tornou um serial killer? Nascido em Wisconsin, em 1960, o rapaz desenvolveu muito cedo o interesse por dissecar animais mortos. A princípio, tratava-se de um hobby que compartilhava com seu pai: a taxidermia. Entretanto, o seu interesse não era manter animais “empalhados”, e sim colecionar seus ossos. 

Lionel Dahmer, pai de Jeffrey, era um químico que, devido a problemas conjugais que tinha com sua esposa, satisfazia-se em ver o filho mantendo interesse por algo que o mantinha afastado das brigas. Foi ele quem ensinou ao filho como usar e combinar produtos químicos para separar a carne dos animais dos ossos. Além da forma correta para alvejá-los posteriormente. Anos mais tarde, Jeffrey Dahmer utilizaria todas essas técnicas em suas vítimas humanas. 

Sua mãe, Joyce Dahmer – que mais tarde voltaria a usar seu sobrenome de solteira, “Flint” – sofreu com uma severa depressão pós-parto, tanto na gravidez de Jeffrey quanto na de seu irmão mais novo, David. O quadro de Joyce progrediu para um vício em remédios controlados, seguido por várias tentativas de autoextermínio. 

Em seu período escolar, o futuro serial killer era considerado uma “aberração” por seus colegas de classe. Entretanto, Jeffrey usava artimanhas como fingir ataques epiléticos ou imitar uma pessoa portadora de deficiência mental para fazer com que os outros adolescentes rissem. 

Quando estava em seu último ano do ensino médio, seus pais anunciaram o divórcio. Lionel manteve-se em um hotel há cerca de 5 km da casa onde sua ex-esposa e filhos moravam. Joyce, por outro lado, arrumou as malas e mudou-se para sua cidade natal, abandonando Jeffrey sozinho. Agora com quase 18 anos, o garoto havia começado a beber, inclusive em sala de aula. Mesmo tendo proximidade com o pai, eles não mantiveram contato por três meses. 

Neste contexto, Jeffrey Dahmer fez a sua primeira vítima: Steven Hicks, de 18 anos. Na ocasião, Hicks pretendia conseguir carona para chegar a um determinado show, mas aceitou ir à casa de Dahmer para beber, onde foi atingido por um haltere de 5 kg. Enquanto estava inconsciente, ele foi estrangulado com uma barra de ferro.

Dahmer masturbou-se em cima do corpo sem vida. Depois, desmembrou o cadáver e distribuiu as partes em sacos de lixo pretos, que foram posteriormente colocados no porta-malas do carro para serem atirados em um desfiladeiro. Entretanto, Dahmer foi parado pela polícia por estar trafegando em cima da linha de ultrapassagem. Os policiais chegaram a questioná-lo sobre o conteúdo das sacolas, ao que o rapaz respondeu serem “restos de poda do quintal” e que pretendia levar até o aterro. Após constatado que estava alcoolizado, os policiais instruíram que ele retornasse para casa sem revistar o veículo. 

O corpo de Hicks ficou escondido no cano de escoamento de sua casa por cerca de dois anos e meio antes de ser descartado. Hicks foi dissecado e dissolvido em ácido, sua carne foi jogada pela descarga, enquanto seus ossos foram assados no forno e destruídos com uma marreta anos mais tarde. 

Jeffrey foi matriculado pelo pai na Universidade Estadual de Ohio. Porém, foi expulso pouco tempo depois devido aos problemas com álcool e uma série de notas baixas. Assim, Lionel decidiu enviá-lo para o exército, onde serviu como parte da equipe médica militar.  Após algum tempo na Alemanha, os impulsos de Jeffrey voltaram e, mesmo com sua dispensa honrosa, anos depois dois cadetes afirmaram ter sido drogados e estuprados pelo ex-colega de batalhão. 

Após uma tentativa falha de morar com o pai, Jeffrey foi levado até a casa de sua avó, onde viveu sob suas regras e conseguiu um emprego. Sua experiência como auxiliar de açougueiro durou somente dez meses, pois foi demitido em 7 de agosto de 1982, quando seu chefe tomou conhecimento de que Jeffrey havia sido preso por mostrar seu órgão genital em público. 

Somente em 1985, Dahmer decidiu frequentar bares e saunas gays, onde atraía homens para um local mais reservado, colocava medicamentos com ação sedativa em suas bebidas a fim de deixá-los vulneráveis e os estuprava. Após doze incidentes como esse, um dos rapazes precisou de uma ambulância, então Dahmer foi proibido de entrar nas saunas que frequentava.

Em dezembro de 1986, ao conhecer Steven Tuomi, de 25 anos, em um bar, o convidou para passar uma noite no Hotel Ambassador, em Milwaukee. Conforme a série retrata, e de acordo com entrevistas do próprio Dahmer, ele não tinha nenhuma intenção de tirar a vida do rapaz, mas pretendia drogá-lo e estuprá-lo. Os dois beberam, e na manhã seguinte, Jeffrey encontrou o corpo de Tuomi com o peito esmagado, além de outras contusões. Anos mais tarde, ele afirmou à polícia não ter nenhuma lembrança de tê-lo matado, mas acreditava ter sido o autor do homicídio. 

Para retirar o corpo de Tuomi do hotel, Dahmer comprou uma grande mala e o colocou dentro. Encaminhou-se então para a casa de sua avó, deixando a mala no depósito até o término das festividades de fim de ano. Depois, o corpo foi desmembrado e esmagado com uma marreta para ser jogado no lixo. A cabeça de Tuomi, no entanto, foi preservada para a satisfação sexual de Dahmer, mas foi descartada um tempo depois após perder a consistência. 

Com o nível de satisfação e excitação que sentiu após o episódio lastimável com Tuomi, Dahmer passou a procurar novas vítimas em bares gays. Seguindo o mesmo modus operandi, atraindo rapazes e oferecendo 50 dólares para tirar algumas fotos, em seguida os drogava, estrangulava e usava seus corpos até o momento do horrendo descarte. 

Entre a primeira e a segunda morte, houve uma janela de tempo de oito anos. Mas a compulsão foi escalonada: um assassinato em 1986, dois em 1988, um em 1989, quatro em 1990 e oito em 1991. Assim, como houve uma evolução desenfreada dos hábitos hediondos de Jeffrey, seus impulsos e fantasias tornaram-se ainda piores, visto que chegou a consumir carne humana de suas vítimas.

O impacto da série na família das vítimas

Desde o lançamento da série “Dahmer: Um Canibal Americano” na plataforma da Netflix, a produção manteve-se no TOP 10 de séries mais assistidas em 89 países por, pelo menos, um mês inteiro. Além disso, acumulou em 28 dias 701.370.000 horas de exibição. Com todo esse sucesso, as famílias das vítimas começaram a se pronunciar, explicitando revolta. 

O primo da vítima Errol Lindsey, Eric Perry, escreveu em sua conta do Twitter que a série tornou-se de conhecimento da família apenas quando foi lançada. Além disso, fez uma postagem expressando sua indignação: 

Eu não estou dizendo a ninguém o que assistir, eu sei que a mídia do true crime é enorme, mas se você está realmente curioso sobre as vítimas, minha família (os Isbell) está chateada com essa série. Estão nos “retraumatizando”, de novo e de novo, e para quê? De quantos filmes/séries/documentários precisamos?

Ao jornal britânico The Guardian, Shirley Hughes, afirmou não ter assistido ao seriado, que tem um episódio inteiro focado na relação de seu filho Tony Hughes, que possuía deficiência auditiva, com Jeffrey Dahmer e seu trágico desfecho. Todavia, Shirley afirma que “não aconteceu assim“.

Não vejo como eles podem fazer isso. Não vejo como eles podem usar nossos nomes e divulgar coisas assim. É difícil para mim falar a respeito do assassinato do meu filho“. 

O programa, que também mostra como Dahmer escapou ileso de seus atos por tanto tempo, enfrentou críticas por não consultar as famílias dos mortos. Segundo informações publicadas pelo The U.S Sun, Lionel Dahmer, está considerando processar a gigante do streaming pelo lançamento das duas produções recentes. O pai do serial killer estaria chateado com a Netflix por não tê-lo procurado para pedir autorização para que os programas fossem realizados.

Além disso, hoje, aos 86 anos, Lionel estaria “uma pilha de nervos” por diversos fãs – bem como pessoas revoltadas com o histórico de seu filho – aparecerem diariamente em sua propriedade.

A prisão do serial killer

Jeffrey Dahmer sendo fichado pela polícia de Milwaukee / Créditos: Domínio público

Após anos de negligência por parte das autoridades competentes, Jeffrey Dahmer foi preso em 22 de julho de 1991. O fato ocorreu após o serial killer atrair Tracy Edwards, de 32 anos, para o seu apartamento, com a promessa de receber 100 dólares para posar para um ensaio fotográfico e tomar algumas cervejas. 

Edwards teve um de seus braços algemados e ouviu de Dahmer que seu coração seria comido. Após tentar distrair Dahmer pedindo para aproximar-se do ar condicionado e repetidas idas ao banheiro, Edwards conseguiu golpeá-lo e fugir pela porta. Ele continuou correndo até encontrar os policiais Robert Rauth e Rolf Muller na rua North 25th. Após ouvirem a história do rapaz, o acompanharam até o apartamento do qual havia acabado de escapar. 

Os policiais entraram no apartamento em busca das chaves das algemas. No quarto, o oficial Muller notou que havia uma faca em cima da cama, uma mancha de sangue no colchão, um odor horrível vindo de um tambor azul de 215 litros e, na gaveta ao lado da cama, uma coleção de fotos polaroides de corpos desmembrados. Foi quando ele gritou para o policial Rauth “são de verdade. Algeme-o!”. 

A perícia realizada na cena do crime, ainda naquela madrugada, foi responsável por encontrar quatro cabeças decepadas na cozinha, sete crânios no armário de roupas, dois corações humanos e músculos de um braço dentro de uma sacola, um torso humano completo no freezer, dois esqueletos inteiros, dois pênis amputados e preservados, e outros três torsos que estavam dentro do tambor azul sendo dissolvidos em ácido. Foram localizadas ainda 74 fotos polaroides de vítimas desacordadas e mortas. 

Ao ser preso, Jeffrey Dahmer afirmou “eu deveria ser morto pelo que eu fiz”. Em 23 de julho, ele começou a ser interrogado pelo detetive Patrick Kennedy, e dispensou a necessidade de um advogado presente, colaborando com 60 horas de entrevistas a respeito de seus crimes. 

Eu criei esse horror e faz sentido eu fazer de tudo para acabar com ele”, disse Dahmer em depoimento. 

Sendo assim, Jeffrey Dahmer foi considerado culpado por quinze de seus dezessete assassinatos, rendendo-lhe a pena de quinze prisões perpétuas (aproximadamente 936 anos). Mesmo expressando sua vontade de enfrentar a cadeira elétrica, no estado de Wisconsin não há pena de morte. 

Jeffrey Dahmer deveria ter sido considerado são?

A defesa do autor dos crimes tinha uma estratégia para que ele passasse o resto de sua vida recebendo tratamento psicológico sob supervisão, no entanto, sua sanidade mental foi veementemente constatada durante o julgamento. 

Robert K. Ressler, ex-agente do FBI especializado em definir perfis psicológicos de crimes violentos nos anos 1970, segundo explicita no livro “Mindhunter Profile: Crime Scene 2”, sugeriu que Jeffrey Dahmer não poderia ter sido enviado para um presídio, mas sim internado em uma instituição para doentes mentais. 

Ressler teve a oportunidade de fazer duas grandes entrevistas com Dahmer, onde levanta questões muito importantes sobre a falta de diagnóstico preciso do autor dos crimes. Segundo ele, a sociedade não está apta para entender as gradações das doenças mentais, afinal, é somente considerado “louco” aquele que fica “babando e parece incapaz de assumir o controle de suas faculdades normais”. 

Em relação à falta de uma análise precisa comportamental de Jeffrey Dahmer, a Psicóloga Clínica, especialista em Terapia Cognitivo Comportamental, Isabella Rodrigues Miranda Moore, de 26 anos, foi procurada. Atualmente, cursa Pós-Graduação em Psicologia Jurídica com ênfase em Perícia Psicológica, além de atuar como influenciadora literária e produzir conteúdo sobre o tema em suas redes sociais, como Instagram e YouTube, que podem ser encontradas como @psicothriller.

Isabella Moore em vídeo de seu canal no YouTube / Créditos: Isabella Moore

Atualmente, com o avanço da psicologia e com um aprofundamento dos estudos comportamentais, o diagnóstico de Dahmer seria muito mais complexo que simplesmente necrófilo. Com base no material exposto sobre o caso e, considerando a impossibilidade do real contato com o paciente em questão, Moore analisa quais seriam os reais desvios, transtornos e obsessões de Jeffrey Dahmer. 

Acho complicado a questão de um diagnóstico totalmente fechado, pois apesar de apresentarmos características parecidas, em alguns aspectos somos únicos. […]. Avaliando hoje, com base no escasso material que temos no Brasil sobre o Jeffrey, eu apostaria no Transtorno de Personalidade Esquizotípico ou no Transtorno de Personalidade Esquizóide, pois ambos demonstram as características de distanciamento social e afetivo, além de comportamento excêntrico. Também não podemos deixar de falar no Transtorno de Personalidade Antissocial, além do Alcoolismo acentuado que ele apresentava. Dahmer também possuía uma série de Parafilias como Esplancnologia (desejo sexual por órgãos e entranhas), necrofagia (que mais conhecemos como canibalismo) e Necrofilia (prática de relações sexuais com cadáveres). Entretanto, alguns profissionais também defendem o Diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline e de Transtorno Obsessivo Compulsivo”, explica. 

O gênero true crime está em ascensão, muitos fãs do terror, por exemplo, ficam fascinados com as histórias horripilantes baseadas em fatos. É possível que esse tipo de gênero possa impactar negativamente os espectadores. Por exemplo, quem sofre de ansiedade ou quem já tem uma predisposição a desvios comportamentais. 

“Sem dúvida, se não for assistido com cautela e atento aos gatilhos. O ser humano tem a tendência de buscar coisas que não consegue entender, somos naturalmente curiosos e pessoas como Jeffrey Dahmer nos deixam fascinados por suas peculiaridades. Entretanto, é necessário tomar cuidado e respeitar os seus próprios limites enquanto pessoa. Se é um conteúdo que te causa desconforto, como ansiedade, o melhor é se afastar […].”, analisa Isabella Moore.

Jeffrey Dahmer chegou a declarar em entrevista que não concordava que sua infância traumática tenha influenciado suas atitudes e, também, que sentia raiva quando ouvia algum comentário referente à “má criação” de seus pais. No entanto, a possibilidade de o contexto familiar ter influenciado no desenvolvimento de Dahmer como serial killer sempre foi uma questão aberta. Para Isabella Moore, esse fator deve ser, sim, considerado. 

“Com certeza. Hoje acreditamos que o desenvolvimento de um Psicopata se dá através da mistura de uma predisposição genética e do contexto ambiental vivido. […] Acredito que no final Jeffrey não quis responsabilizar os pais, porque realmente não é responsabilidade deles os atos do filho, apesar de tudo. Existem crianças que nascem e vivem nesse contexto e se tornam adultos funcionais. Muitos fatores, além disso contribuíram para que os transtornos de Jeff se intensificassem, como o alcoolismo, por exemplo”.

A jornalista Nancy Glass, que entrevistou Jeffrey Dahmer em 1994, afirmou que o serial killer se alimentava das vítimas porque gostaria que fizessem parte dele. Além disso, a jornalista também relatou que Dahmer parecia ser uma pessoa completamente normal para ela. De acordo com essa declaração, Moore foi questionada em relação ao ato de canibalismo, que era praticado por ele. 

Talvez possa ser por medo de abandono. Por essa razão muitas pessoas acreditam no diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline. Entretanto, é importante lembrar que em determinados momentos, Dahmer teve a oportunidade de ter pessoas importantes da sua vida presentes, como sua avó e até mesmo Tony, uma das vítimas que tinha um real interesse nele. Mas talvez o impulso por controle absoluto fosse tão forte que ele necessitava, ou pelo menos achava que sim, ter a pessoa totalmente para si e que só conviver não era suficiente. […]”, analisa.

O impacto para os espectadores

A história monstruosa que envolve Jeffrey Dahmer teve início há 44 anos, mas com o seriado, o serial killer voltou a ganhar notoriedade. Sendo um dos assuntos mais comentados e noticiados dentro do universo do entretenimento. Em relação a essa repercussão, Denise Sganzerla, cineasta, roteirista e editora, formada na Escola de Atores Luis D’Mhor e Wolf Maya em Porto Alegre e no curso de cinema da Universidade Estácio de Sá no Rio de Janeiro, de 38 anos, analisa:

O canibalismo é um assunto que normalmente choca o ser humano, pois metaforicamente pensamos o quanto podemos ser nocivos para a nossa própria espécie. Acho que o que mais chocou foi imaginar que ele comia as vítimas após matá-las, esse foi o principal diferencial dele, apesar de existirem outros casos de canibalismo. Imaginar que podemos ter um vizinho lhe oferecendo um croquete com carne humana, assusta e preocupa qualquer ser humano sem  inclinações mórbidas”, expôs Sganzerla. 

Assim como é apresentado no último episódio da série, e conforme foi confirmado pelo próprio Jeffrey Dahmer em entrevista ao Inside Edition em 1993, o autor dos crimes acumulou uma legião de fãs na época. Muita gente enviava cartas para o presídio, com dinheiro, declarações, livros para serem autografados, dentre outros.

Em uma pesquisa realizada para o desenvolvimento da presente reportagem, 100 espectadores da série foram procurados a fim de buscar uma compreensão em relação à experiência que tiveram ao assistirem à série “Dahmer: Um Canibal Americano”. 

Foi concluído que, de todos os participantes da pesquisa que assistiram à série, somente 83,1% chegaram a concluir, contra 16,9% que abandonaram a produção antes do desfecho. Dentre os que optaram por não assistir aos 10 episódios em sua totalidade, 27,3% informaram que acharam o conteúdo muito forte. No entanto, 45,4% dos espectadores já conheciam o caso Jeffrey Dahmer antes do lançamento do programa. 

Para 64,8% desses espectadores, seriados que possuem conteúdo forte, que envolva violência, terror psicológico e assassinato, podem impactar negativamente a quem está assistindo. Principalmente se o consumidor do conteúdo apresentar uma predisposição a ansiedade, depressão, TDAH e outros transtornos emocionais e comportamentais. Por outro lado, 80,9% das pessoas se interessam pelo gênero true crime.

Acho que se a pessoa nasceu com inclinações para cometer qualquer maldade com outro ser humano, ela não vai deixar de realizar qualquer ato assassino por ver conteúdos de terror. Em muitos casos, como já li no livro “A Filosofia do Horror” de Noel Carrol, os filmes de terror são uma válvula de escape de emoções, que ao invés de estimular, fazem com que descarregamos toda a raiva ou emoção provocada por determinada situação”, posiciona-se Sganzerla.

Além dos fãs que Jeffrey Dahmer acumulou nos anos 1990, após o lançamento da série casos muito peculiares começaram a aparecer. No dia 11 de outubro de 2022, durante o programa de rádio “The Kyle & Jackie O Show”, os apresentadores foram pegos de surpresa com a ligação de uma ouvinte que revelou ter se masturbado durante a cena da série em que Dahmer afirma que vai comer o coração de Tracy Edwards. Com o choque daquela declaração, os apresentadores repudiaram a fala da mulher não identificada, no entanto, esta continuou falando.

Nunca pensei que seria uma dessas pessoas. Eu sou uma mãe, felizmente casada, e com três filhos. Mas quando comecei a assistir a Jeff, porque meus amigos me mandaram, algo mudou em mim. […] A cena era tão distante da minha vida normal e isso apenas me levou para outro lugar. Eu estava tipo ‘ai, meu Deus’. Estou dizendo a vocês, não sou a única”, afirmou a mulher antes de ter sua chamada cortada pela produção. 

Algo que impressionou a maioria do público, foi a romantização do conteúdo e a normalização da falta de empatia. 

O que mais me surpreendeu foram as pessoas em volta. Porque quanto ao Dahmer já sabemos que tinha uma condição mental insana, mas e as pessoas? Os policiais que levaram o rapaz de volta para o quarto, os fãs de um criminoso, as mulheres apaixonadas por um assassino cruel, os indivíduos que premiaram os policiais que foram totalmente negligentes, os policiais que não deram importância para as denúncias da vizinha. Isso me assusta. As pessoas denominadas “normais” que estão à nossa volta”, pontuou a espectadora Marciele Moura, de 36 anos. 

A popularidade da série parece ser compreendida de uma forma muito singular por determinadas pessoas. A chegada do Halloween potencializou os traumas que estão sendo relembrados pelas famílias das vítimas. Isso porque nos Estados Unidos essa data é levada muito a sério, as pessoas se fantasiam, decoram suas casas, fazem festas e saem para pedir doces. Entretanto, fantasias inspiradas em Jeffrey Dahmer estão se tornando recordes de vendas.  

Em recente entrevista ao TMZ, Shirley Hughes lamentou como as pessoas podem ser insensíveis diante de uma história tão trágica. 

Ver uma série de sucesso da Netflix sobre o serial killer já causa muitos gatilhos. Ver pessoas se vestindo como o assassino causa novos traumas. É doloroso acompanhar o streaming e vê-lo em vários pôsteres. Tantas lojas lucrando com base na morte de jovens queridos, enquanto as famílias [das vítimas] não vê um centavo“.

Após o sucesso estrondoso da nova série, muitos brasileiros que não conheciam o caso Jeffrey Dahmer, especialmente pela maior visibilidade na época ter sido na mídia norte-americana, chocaram-se ao associar que grandes músicas que se tornaram “hits” como “Dark Horse”, de Katy Perry e “Cannibal”, de Kesha, levam o nome do assassino em suas letras. O público brasileiro passou a criticar as cantoras por banalizar o sofrimento das vítimas.

A negligência policial, homofobia e racismo

A série, por outro lado, levanta questionamentos cruciais a respeito da negligência policial, do racismo e da homofobia. Os crimes cometidos por Jeffrey Dahmer, ao longo de mais de uma década, passaram completamente despercebidos pelas autoridades, ainda que, muitas vezes, o assassino tenha ficado cara a cara com a polícia.

O pré-adolescente laosiano, Konerak Sinthasomphone, tinha entre 13 e 14 anos quando se tornou vítima de Jeffrey Dahmer. Após embebedar e drogar Konerak, Dahmer usou uma furadeira para perfurar seu crânio e injetar ácido clorídrico, com o intuito de criar um “zumbi”. Para ele, essa seria a única forma de alguém jamais deixá-lo e ser completamente submisso às suas vontades. 

Após o atroz procedimento, Dahmer decidiu ir a um bar tomar algumas cervejas e quando estava retornando para casa notou que o garoto estava na rua, nu, sangrando e desorientado, enquanto suas vizinhas tentavam ajudá-lo. Na ocasião, a polícia foi acionada, mas Dahmer os convenceu de que o garoto era seu namorado, maior de idade, e estava apenas muito embriagado. 

Os policiais John Balcerzak e Joseph Gabrish foram os responsáveis por acompanhar o menino de volta ao apartamento do serial killer. Eles mal passaram da soleira da porta por receio de encontrar “coisas gays”, no entanto, se tivessem realizado uma rápida vistoria, encontrariam o corpo de Tony Hughes na cama do quarto. 

A vizinha de Dahmer, Glenda Cleveland, chamou a polícia incontáveis vezes, por ouvir barulhos de ferramentas, gritos e pelo odor insuportável que vinha do apartamento ao lado, ainda assim, suas denúncias não foram levadas a sério. 

Quando o caso foi descoberto e ganhou notoriedade na mídia, a população mostrou revolta com o descaso da polícia e com o racismo estrutural. Com o agravante de que, a maioria das vítimas frequentava bares gays, isto é, eram homossexuais, apenas as famílias se empenhavam em tentar localizar seus entes queridos desaparecidos. 

Durante a entrevista a Robert K. Ressler, documentada no livro “Mindhunter Profile: Crime Scene 2”, Jeffrey Dahmer faz questão de esclarecer que nunca escolheu suas vítimas com base na cor da pele e julgou o fato como um “acidente geográfico”: 
Aí é que está. Todo mundo pensa que é um lance racial, mas eles eram todos diferentes uns dos outros. O primeiro era branco, o segundo era índio, o terceiro era latino, o quarto era pardo. O único motivo para pegar negros era porque tinha um monte deles nos bares gays, e eu sempre acabava encontrando com vários deles. Negros e latinos. Se eu conseguisse engatar uma conversa com um cara branco e bonito, levava ele [para o apartamento]. Mas nunca conseguia. Sete eram negros, dos dezessete. Quero deixar isso bem claro.”, afirmou Dahmer.

O controverso desfecho de Jeffrey Dahmer

Enquanto estava na prisão, Dahmer começou a se aproximar da religião, e a conversar frequentemente com o Ministro da Madison Church of Christ em Wisconsin, Roy Ratcliff. Eles se encontravam semanalmente para o estudo da Bíblia, até que Dahmer pediu para ser batizado e o pedido foi concedido no dia 10 de maio de 1994. O mesmo dia em que John Wayne Gacy, mais conhecido como Palhaço Assassino, enfrentou o corredor da morte pelo assassinato e ocultação de cadáver de 33 homens. No mesmo horário que ambas as coisas aconteceram, houve um eclipse solar. 

No dia 28 de novembro de 1994, o detento Christopher Scarver, que já tinha conhecimento sobre a natureza dos crimes de Jeffrey e chocou-se com a história do jovem Konerak Sinthasomphone, utilizou um haltere para golpeá-lo até a morte. Assim, Dahmer faleceu da mesma forma que tirou a vida de sua primeira vítima, Steven Hicks. Após o homicídio, Scarver teve mais uma prisão perpétua adicionada à sua pena e passou meses a fio na solitária. 

O corpo de Dahmer foi cremado, conforme era de sua vontade, e as cinzas foram divididas entre Lionel Dahmer e Joyce Flint. A mãe de Jeffrey expressou o desejo de que o cérebro do filho fosse estudado para que descobrissem a origem de seu comportamento destrutivo, entretanto o pai foi contra e queria pôr fim ao ciclo. Uma briga judicial se iniciou, mas Lionel venceu. 

A história de Jeffrey Dahmer é complexa, com um final dramático. Trata-se de uma pessoa que cometeu crimes hediondos e era mentalmente instável, mas não teve o suporte psicológico necessário. Além das duas novas produções da Netflix que envolvem o criminoso, pelo menos outros 6 filmes e uma gama de livros exploraram o caso. 

Pode-se dizer que o true crime funciona como um despertar do interesse do público para aquilo que acontece na realidade, inclusive quando se trata de crimes não solucionados. Por outro lado, existe o perigo da romantização, onde a violência é banalizada e torna-se entretenimento puro. 

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